Ensaios.05 — Aproximações entre Educação Ambiental e Educação Patrimonial em Unidade de Conservação (2016)

Luis Gustavo Arruda
17 min readJun 25, 2021

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Uma breve contextualização sobre as Políticas de Meio Ambiente

O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), Lei 9985/00, representou significativo avanço na legislação sobre conservação de ecossistemas em território brasileiro; Na legislação são estabelecidas e caracterizadas diversas unidades de conservação em duas amplas categorias: Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável (art 7, incisos I e II). Entre as unidades do segundo tipo encontram-se as Reservas de Desenvolvimento Sustentável, Reservas da Biosfera e as Reservas Extrativistas (Resex), destinando às duas primeiras as atividades de Educação Ambiental (EA) e à terceira espaços para a preservação do patrimônio histórico e cultural das comunidades tradicionais que habitam aquela área; O reconhecimento do papel das comunidades tradicionais na preservação do meio ambiente é anterior ao SNUC, que, via Decreto 98897/90, estebeleceu a categoria Reserva Extrativista, anterior ao sistema atual.

É curiosa, entretanto, a série de transformações legais às quais essa categoria passou; Com o estabelecimento do SNUC a concessão do território público à comunidade tradicional passa a ser regulamentada pelo Decreto-Lei 271/67, que define os termos da Concessão de Direito Real de Uso, e no art 7, com redação dada pela Lei 11.481/07:

“É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de regularização fundiária de interesse social, urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, aproveitamento sustentável das várzeas, preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de interesse social em áreas urbanas”.

Na Lei 11.481/07 a redação dada ao art 5 do Decreto-Lei 271/67, nos incisos I e II, condiciona a concessão à anuência prévia do Ministério da Defesa e dos comandos da Marinha, Exército e Aeronáutica e do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, respectivamente, evidenciando a complexa estrutura de poder associada à cessão de território aos povos tradicionais e a própria natureza do conflito socioambiental no país.

O início das discussões sobre as questões ambientais remonta à década de 1960, em que uma efervescência cultural, política e social, evidenciada por festivais de música, corrida espacial, guerra no Vietnâ e construção do muro de Berlim, fomentou o debate sobre os aspectos legitimadores das relações estabelecidas entre sociedade e natureza: o crescimento econômico e a negação da natureza que fundamentam a sociedade moderna (DIAS e SILVA, 2013). O surgimento de Organizações Não Governamentais (ONG’s) nesse período, como a International Union for Nature Conservation (IUCN), a World Wildlife Fund for Nature (WWF) e o Greenpeace, tais quais outras instituições multilaterais, é um dos desdobramentos da demanda pelo alinhamento entre desenvolvimento econômico, tecnológico e cultural com a preservação do meio ambiente (PESSOA, 2013).

Na década de 1970 o relatório “Os limites do Crescimento”, elaborado pelo Clube de Roma, acalorou os debates sobre sustentabilidade e desenvolvimento, levantando a previsão de que, se as relações entre sociedade e meio ambiente continuassem como até então, os recursos naturais chegariam ao seu limite, levando à redução na população e na capacidade industrial (DIAS e SILVA, 2013). Dando continuidade ao debate, em Junho de 1972 a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) convocou a Primeira Conferência sobre o Homem e o Meio Ambiente, em Estocolmo, que culminou no estabelecimento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Para Pessoa (2013) esses dois marcos refletem uma convergência de argumentos essencial para analisar as contradições provocadas pelo desenvolvimento, quando pensado exclusivamente pelo escopo do crescimento econômico, na relação entre sociedade e natureza. Nesse mesmo período, os trabalhos de Maurice Strong e Ignacy Sachs, com o conceito de ecodesenvolvimento, deram sucessão à problemática da relação entre desenvolvimento econômico e conservação; Para Dias e Silva (2013),

a proposta de ecodesenvolvimento não logrou êxito na discussão mais ampla dos organismos internacionais, em função do apelo incisivo pela mudança do modelo econômico a partir de uma racionalização do processo de apropriação dos recursos naturais” (pp 310).

Em 1984 a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento se organizou em torno da produção do relatório “Nosso Futuro Comum”, concluído em 1988 (CMMAD, 1998); Tal relatório cunhou o termo Desenvolvimento Sustentável e incorporou à noção de sustentabilidade o senso de que as gerações atuais não devem prejudicar as gerações futuras em seus interesses (BOFF, 2013); Para Pessoa (2013) a produção desse relatório foi fundamental para inserir nas agendas políticas nacionais e internacionais as questões relativas à sustentabilidade; Para a autora, o documento ainda desconsidera as diferenças entre as sociedades industrializadas e subdesenvolvidas, homogeneiza a problemática ambiental, desconsiderando problemas ecológicos regionais e locais, e não faz crítica contudente aos modelos de desenvolvimento tradicionais. No mesmo sentido Leff (2002) complementa:

a busca de consensos sobre ‘nosso futuro comum’ (CMMAD, 1988) não unifica as visões do futuro nem as estratégias de passagem para o desenvolvimento sustentável: o discurso sobre a sustentabilidade não é homogêneo nem está livre do conflito de interesses — muitas vezes opostos — dos atores sociais que mobilizam e resistem a este processo de mudanças históricas, não só como visões diferenciadas entre países, mas dentro de cada nação. Da vontade de capitalizar a natureza através do mercado à descentralização da economia e à construção de uma racionalidade ambiental baseada em princípios não-mercantis (potencial ecológico, equidade transgeracional, justiça social, diversidade cultural e democracia), a sustentabilidade se define através de significados sociais e estratégias políticas diferenciados.” (pp 48).

Em suma, em contraponto aos documentos anteriores, o Relatório Brundtland, como ficou conhecido, elimina o antagonismo entre crescimento econômico e preservação ambiental.

É notável como o discurso do Desenvolvimento Sustentável, e suas idiossincrazias, estabelecidos nessa época perduram até hoje: A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), em vigor via Decreto 6040/07, reconhece a perspectiva de atuação dessas comunidades como atores da preservação ambiental e traz como definição de desenvolvimento sustentável no inciso III do Art 3 “o uso equilibrado dos recursos naturais, voltado para a melhoria da qualidade de vida da presente geração, garantindo as mesmas possibilidades para as gerações futuras”. É notável ainda o contraste com essa política o contexto de luta (“debaixo-para-cima”) das comunidades seringueiras no Amazonas, em um ambiente de redemocratização política no Brasil, no qual o Decreto 98897/90 que criou as Resex se estabeleceu, tensionando as esferas de poder sobre o meio ambiente, escalada evidenciada com o assassinato de Chico Mendes em 1988 por fazendeiros em associação com esferas do poder público (para mais, ver Rocha e Possamai, 2015).

Em 1992 a Assembleia das Nações Unidas convocou a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como “A cúpula da Terra”, no Rio de Janeiro, em que se produziu a Agenda 21: Programa de Ação Global e a Carta do Rio de Janeiro. Em ambos documentos é afirmado o compromisso dos Estados de agir de maneira integrada e com a participação dos diversos setores da sociedade na gestão de recursos, tomada de decisões políticas e na responsabilização sobre a tomada de ações em torno do Desenvolvimento Sustentável (BOFF, 2013). Em paralelo à Rio 92 aconteceu o Forum Global 92, no qual se reuniram organizações não governamentais de diversos países com causas associadas às questões ambientais, e se concretizou na elaboração da Carta da Terra e do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global;

Já na década de 1970 pensava-se sobre as questões relativas à educação sobre as questões ambientais. Na Declaração da Primeira conferência da ONU sobre o Homem e o Meio Ambiente está colocado como princípio “um esforço para a educação em questões ambientais, dirigida tanto às gerações jovens como aos adultos e que preste a devida atenção ao setor da população menos privilegiado” (ONU, 1972). Ainda nessa década, em 1977 a UNESCO, em cooperação com o Pnuma, realizou a Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, concretizada na elaboração da “Declaração de Tbilisi”, na qual os os Estados membros são convocados a incluírem em suas políticas educacionais diretrizes e atividades ambientais.

Em publicação da European Journal of Psychology of Education de 1997, Bogner e Wiseman aplicaram um teste quantitativo para medir valores de associação entre “ambiente” e “conservação” em participantes do programa de outdoor ecology education (ensino de ecologia no campo) no Bavarian Forest National Park na Alemanha; Os testes foram aplicados antes e após a participação dos alunos de de 12 a 13 anos no programa de uma semana de duração. Os resultados encontrados, após amplo debate sobre vantagens e desvantagens da aplicação do método, indicam crescimento nas associações positivas em valores emotivos e de conservação em relação aos índices iniciais. Tal resultado refletiu um importante avanço para a atuação educativa em ambientes naturais.

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Perspectiva educativa em Unidades de Conservação: contribuições da Educação Ambiental e da Educação Patrimonial

Em publicações mais recentes, em 2016, Nazir e Pedretti relatam a atuação de um programa de outdoor learning (aprendizagem no ambiente) e sua influência no aumento de uma consciência ambiental através da percepção dos educadores do Faraway Dale Outdoor Education Centre no Canadá; Para os autores essa consciência ambiental pode levar a uma maior conexão com seu meio e fomentar o cuidado com esse espaço por meio de um senso de realização e de empoderamento. Em adição, em artigo do mesmo ano, Jagger e colaboradores consideram as perspectivas teóricas e práticas sobre garden based pedagogies (teorias baseadas no jardim) ao avaliar o projeto realizado na Ontario Institute for Studies in Education na University of Toronto (OISE/UT) nos Estados Unidos da América; Entre as conclusões, relataram que após a instalação de um jardim para atividades educativas no instituto, puderam perceber ganhos sob as perspectivas estética e afetiva e também pelo senso comunitário associados ao espaço criado.

Um corpo crescente de autores (para exemplos: BOGNER, 2002; BOGNER e WISEMAN, 2004; BERCHEZ e col., 2007; HUMBERSTONE e STAN, 2012;) argumenta pela aplicação da EA em ambientes naturais como ferramenta de transformação em direção à tomada de comportamentos pró-ambientais. Em publicação de 2010, Rodrigues e Guimarães chamam a atenção para o reconhecimento da demanda pela Educação Ambiental no Brasil, embora muitas vezes a dimensão crítica e emancipatória previstas na Declaração de Tbilisi e no Tratado Para Educação Ambiental e Sociedades Sustentáveis não são observadas.

Em artigo de 2015, Gomes e colaboradores apresentam o estudo de caso sobre as concepções de “Meio Ambiente” apresentadas por alunos dos anos finais do Ensino Fundamental em uma escola pública localizada na Reserva Extrativista Lago do Cuniã, no estado de Rondônia. Essas concepções também foram avaliadas na perspectiva dos professores, tanto quanto o discurso sobre as próprias práticas de Educação Ambiental. Entre as conclusões, observa-se a predominância de concepções sobre Meio Ambiente enquanto recurso, natureza e meio de vida, de maneira geral, ao lado de perspectivas mais específicas como a questão dos resíduos sólidos, da preservação e das transformações exigidas pela própria criação da reserva; Depreende-se, então, o cenário complexo e multidimensional por tras da educação associada ao ambiente natural.

No cerne do debate socioambiental, o estabelecimento das Resex representa significativo avanço no delicado equilíbrio sobre o controle das terras; Para Guerra, 2016, a Resex do Mandira apresenta aproximações com a definição de Ecomuseu por colocar o patrimônio natural, tanto quanto histórico e cultural, como fato museológico em diálogo com o público. Tal definição, associada à noção de museu colocada pelo International Council of Museums (ICOM) em 1961, reafirma o potencial de atuação da Museologia também nas reservas naturais. De fato, para a autora

cabe o debate sobre o turismo de base comunitária como uma atividade capaz de permitir que as Resex se constituam como um cenário para o fato museológico; ao mesmo tempo em que se delineia o próprio entendimento das Resex como museus.” (GUERRA; 2016. p21)

Para a autora, a definição de Ecomuseu surge em contexto de questionamento dentro da museologia na metade do século XX em que, no auge dos movimentos sociais das décadas de 60 e 70, a comunidade museológica questiona-se sobre o papel social dos museus. Surge nesse contexto, na França, o primeiro ecomuseu, que coloca:

“ (…) O meio ambiente não é sinônimo de natural; ele é também social e isso opera mudanças significativas, ao levar a uma Museologia direcionada para a relação das pessoas com os seus territórios de vida, convidando-as, inclusive, para participar desse processo.” (GUERRA; 2016. p116).

Dessa forma, noções tradicionais no campo da museologia como “edifício”, “visitante” e “acervo” são transpostas a “território de ação”, “comunidades de habitantes” e “patrimônio coletivo” nos ecomuseus.

Sob perspectiva mais ampla, o campo da educação em ambiente natural pode retomar as discussões sobre o papel da escola diante da sociedade; Remontadas às publicações de Ferrer no final do século XIX, para o autor, trabalhar pela educação é como uma luta “(…) para emancipar os seres humanos dos dogmas e dos convencionalismos que asseguram a prolongação da iníqua organização social atual.” (p78); Em adição, para Aranha (2006) a pedagogia libertadora de Paulo Freire, estabelecida na metade do século XX, é avaliada como aquela que é voltada para a conscientização da opressão, permitindo a ação transformadora. Torna-se imperativo que a ação educativa em Unidade de Conservação assuma perspectiva crítica sobre os discusos legitimadores das atuais relações entre sociedade e natureza e, sobretudo, sociedade-sociedade.

EA crítica e EP transformadora

Ainda em relação ao delicado equilíbrio sobre o controle de terras no país e seu discurso legitimador, a educação em ambiente natural, quando associada a uma dinâmica de reapropriação social da natureza, nos termos de Leff (2002) vai de encontro com concepções tradicionais sobre ensino e suas visões sobre a relação sociedade-meio ambiente. De fato, em publicação de 2016, Payne coloca em discussão as distinções epistemológicas sobre Educação Ambiental e Educação para o Desenvolvimento Sustentável; Elenca como desafio aprofundar as críticas sobre as noções ético-políticas que legitimam as práticas de desenvolvimento e sustentabilidade. Para o autor, as noções eurocêntricas e ocidentais de desevolvimento tendem a prevalecer nos processos de tomada de decisão política, inclusive sobre a própria educação; Em conclusão, aponta o crescimento das políticas neoliberais como elusivas em relação aos conceitos de educação, ambiente, sustentabilidade e desenvolvimento.

Leff (2002) argumenta que os modelos sobre Desenvolvimento Sustentável que surgiram a partir do Relatório Brundtland falham ao incorporar uma racionalidade ambiental que leve em conta a reapropriação social da natureza e a gestão ambiental do desenvolvimento; Além disso, para o autor a situação de crise econômica dos países da América Latina na década anterior à Conferência de Estocolmo foi fundamental ao incorporar interesses relativos ao progresso e desenvolvimento à noção de sustentabilidade, coincidindo com o momento em que o discurso sobre Ecodesenvolvimento é suplantado pelo discurso do Desenvolvimento Sustentável. Em adição, Foladori (2001) ressalta que as soluções levantadas nesse discurso deixam de criticar a forma social na qual os detentores dos instrumentos com os quais se transforma a natureza detêm e transformam a natureza, ignorando a complexidade das relações entre sociedade e natureza e, sobretudo, sociedade-sociedade; Para o autor,

(…) [no discurso do Desenvolvimento Sustentável] está implícita a ideia de que atividades técnicas geram resultados não buscados e que estes podem ser combatidos com outras ações técnicas. Fica à margem da discussão a análise das relações sociais de produção.” (p 209)

Em La invención del tercer mundo: Construcción y Deconstrucción del Desarrollo, Escobar (1995) argumenta que certas formas de reconhecimento da problemática ambiental gerada no Terceiro Mundo podem servir como forma de fortalecer o discurso desenvolvimentista dos países do Primeiro Mundo, como numa panaceia em direção à erradicação dos problemas gerados pela forma moderna de apropriação dos recursos naturais; Para o autor é fundamental observar os atores que se apropriam do discurso do Desenvolvimento Sustentável, levando em consideração as consequências políticas e suas projeções nas construções subjetivas, culturais e de poder social na implementação desse tipo de projeto. Em complemento, em publicação de 1990, Ferguson e Lohmann chamam atenção para o que realmente pode significar um projeto de desenvolvimento além do seu significado estrito; Para os autores, o projeto que se sucedeu em Lesotho, nas décadas de 1970 e 1980, além de falhar na proposta ambientalista, foi responsável por facilitar a inserção do mercado internacional no país (por exemplo na importação de maquinaria agrícola de corporações Canadenses que estavam intervindo na região). É curiosa a dissociação do projeto de desenvolvimento sustentável com a complexa questão política por tras da distribuição de recursos do meio ambiente. Segundo Ferguson e Lohmann o projeto que ocorreu no Lesotho desconsiderou as questões socio-ambientais locais, como em um modelo estabelecido a priori, impondo-se inclusive em relação às questões significativas sobre terras, recursos, empregos e salários; Para os autores “Os efeitos de um projeto de ‘desenvolvimento’ terminam formando qualquer tipo de coerência estratégica ou todo inteligível, como um tipo de máquina ‘anti-política’ que, no modelo de uma máquina de ‘anti gravidade’ de histórias de ficção, parece suspender ‘política’ até das mais sensíveis operações políticas no girar de uma alavanca” (FERGUSON e LOHMANN, 1990, tradução livre). Em suma, na perspectiva desses autores, os projetos ditos “apolíticos” de desenvolvimento tendem a mascarar o legado colonialista de exploração econômica que primeiramente moldaram as relações sociais e socio-ecológicas.

No campo da educação, em publicação de 2007, Chawla e Cushing debatem sobre a educação ambiental para comportamento ambiental estratégico; Segundo as autoras, perspectivas tradicionais de ensino sobre questões ambientais tendem a levar em consideração mudanças no comportamento individual em detrimento de ações coletivas que poderiam pressionar atores sociais em direção a um comportamento pró-ambiente mais efetivo, por exemplo com ações de natureza coletiva (para revisão sobre ambientalismo em esfera pública ou em esfera privada, ver STERN, 2000); Na mesma publicação, as autoras relatam que o envolvimento em questões políticas locais em projetos de educação ambiental são a forma mais efetiva de crianças e jovens aprenderem sobre governo e política, praticando cidadania ativa, desenvolvendo a socialização de habilidades democráticas, senso pessoal de empoderamento e o desenvolvimento de competência coletiva ao realizar a tarefa cumprida.

No mesmo sentido, em artigo de 1980, Tanner parte da premissa de que a Educação Ambiental deve estar associada à cidadania ativa para que a sustentabilidade seja alcançada; Em avaliação sobre as experiências significativas de vida de quarenta e cinco ambientalistas de diversas idades com diferentes níveis de escolaridade, o autor criou categorias e avaliou suas frequências nas respostas encontradas nos questionários. Entre as conclusões, observou que o envolvimento enquanto jovens em experiências de atividades no ambiente natural é um fator dominante e comum entre os ambientalistas entrevistados; Em menor frequência, concluiu que pais e professores também podem apresentar-se como fortes guias em direção ao envolvimento com questões ambientais.

A Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), Lei Federal n° 9.795/99 estabelece as diretrizes para a inserção da EA no país; Apesar do avanço no campo jurídico, o estabelecimento de uma postura sobre EA crítica não é resolvido na legislação, observando-se a manutenção da disputa de poder sobre os recursos ambientais; Poucos autores abordaram a gestão político institucional estabelecida na PNEA; Sua implementação excluiu atividades de participação social na tomada de decisões sobre questões ambientais, apresentando-se à sociedade como uma política “de cima para baixo” (LAYRARGUES, 2009). As diferentes formas de tomada de decisão na gestão não são novidades no debate sobre sustentabilidade: a participação social nas instâncias deliberativas sobre as terras das comunidades pertencentes àquela região já foi ratificada no Fórum Global de 92, durante a Rio 92, tornando mandatória sua presença na governança daqueles sistemas. Em consonância, tratados multilaterais, como o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global e o Tratado de Tbilisi, responsabilizam estados pela incorporação de diretrizes para a aplicação de uma Educação Ambiental transformadora e que reconheça a situação de desigualdade social, dando especial atenção ao setor menos privilegiado da sociedade.

No mesmo sentido, as discussões no campo da Educação Patrimonial encontram percalços. Para Zanon e colaboradores (2009) a Educação Patrimonial Conservadora é universalizante, homogeneizante e tende a apresentar verdade única, sem conflito de versões, sobre o patrimônio, imposta por detentores do saber sistematizado e oficial. Em contraponto, a Educação Patrimonial Transformadora parte do princípio da “valorização das narrativas que são capazes de articular tensões entre o universal e o singular, local”. Em adição,

possui caráter político, visando a formação de pessoas capazes de (re) conhecer sua própria história cultural, deixando de ser espectador, como na proposta tradicional, para tornar-se sujeito, valorizando a busca de novos saberes e conhecimentos, provocando conflitos de versões

Tais contrastes pedagógicos são observações que refletem uma perspectiva mais abrangente sobre o contexto da educação e do meio ambiente na contemporaneidade.

Considerações Finais:

Observam-se múltiplas perspectivas para análise e avaliação da ação educativa em unidade de conservação. Contribuições do campo da Educação Ambiental tanto quanto da Educação Patrimonial podem ser significativas para a prática de um processo de crítica à lógica da sociedade capitalista em sua divisão de classes e apropriação desigual do meio tal qual a criação de novas formas de apropriação sobre o espaço tomado pelas esferas de poder dominantes. A luta pela questão ambiental trazendo com urgência a situação das comunidades tradicionais é interdisciplinar, intersetorial e, sobretudo, estrutural.

*Ensaio adaptado do trabalho final para a disciplina Educação Patrimonial, do MAE-USP, em 2016.

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Luis Gustavo Arruda
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Written by Luis Gustavo Arruda

PhD student at Universidade de Sao Paulo, focused on educational and environmental policies. Writes at www.extensaonatural.com

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